Alerta na Amazônia

Pesca de tilápia, que alimenta uma indústria no mundo todo

Sob pressão, lei sancionada pelo governador José Melo, que coloca em risco a maior biodiversidade aquática do planeta, será revisada

Por Liana Melo | ODS 6 • Publicada em 10 de maio de 2016 - 08:00 • Atualizada em 10 de junho de 2016 - 13:03

Pesca de tilápia, que alimenta uma indústria no mundo todo
Pesca de tilápia, que alimenta uma indústria no mundo todo
Pesca de tilápia, que alimenta uma indústria no mundo todo

Com apenas cinco pães e dois peixes, conta a famosa passagem bíblica que Jesus alimentou uma multidão. Dizem os especialistas, em tom de brincadeira, que o “milagre da multiplicação” só foi possível porque o peixe em questão era uma tilápia. Além de se reproduzir facilmente, cresce rapidamente. Não à toa alimenta uma indústria de pesca milionária que cresce no mundo todo. Estados Unidos, União Europeia e China são grandes consumidores de tilápias. E o Brasil, depois que a espécie foi introduzida em águas brasileiras nos anos 70, é um grande produtor. Ao lado da carpa, outra espécie exótica, a tilápia representa mais da metade do cultivo de pescados em viveiro no país. O peixe é original da África.

Interesses econômicos se encaixam sob medida nos motivos por trás da aprovação pelo governador do Amazonas, José Melo (Pros), do projeto de lei estadual que libera a introdução de espécies não-nativas nos rios e igarapés da maior floresta tropical do mundo. Sancionada às vésperas do Dia do Meio Ambiente, no último dia 30 de maio, a decisão vai na contramão da proteção ambiental do bioma amazônico. Ambientalistas enumeram um conjunto de consequências desastrosas para a Bacia Amazônica, identificada como a maior biodiversidade aquática do planeta, onde vivem mais de três mil espécies de peixes.

Espécies exóticas introduzidas neste habitat  levarão a uma degradação em cadeia e, segundo Nurit Bensusan, coordenadora adjunta do Programa de Política e Direito do Instituto Socioambiental e especialista em Biodiversidade, “não há volta para a introdução de peixes não-nativos, o que significa que, uma vez introduzidos, o dano é irreversível”.

Não há volta para a introdução de peixes não-nativos, o que significa que, uma vez introduzidos, o dano é irreversível

Uma das ameaças para a Bacia Amazônica é a tilápia. O peixe disputa espaço, alimentos e local para desova. É apontado como um adversário agressivo, do tipo que não entra em briga para perder, o que leva ao desaparecimento de outras espécies de peixes. É por isso que os ambientalistas não gostam de tilápias e chamam atenção para o fato de que a espécie nadando pelos rios amazônicos é um risco para peixes nativos como urimatãs, pirarucus, filhotes, aruanãs, gurijubas e até para mamíferos aquáticos, como botos, peixes-boi e golfinhos.

Infografia sobre os efeitos do projeto de lei aprovado para a bacia amazônica
Por Fernando Alvarus

Pesquisadores do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), Ibama e Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e Ministério Público Federal no Amazonas (MPF/AM) assinaram uma moção de repúdio ao projeto de lei. Citaram como exemplo o  surubim-pintado – hoje uma espécie em declínio populacional. Seu algoz foi justamente à  liberação de animais híbridos na natureza, que, ao cruzar com outras espécies, impactou negativamente seu habitat. Os protestos contra o projeto de lei chegaram na internet, onde circulou, nas últimas semanas, um abaixo-assinado. 

Até o ministro do Meio Ambiente, José Sarney Filho, classificou a decisão como um “complexo processo de degradação dos ecossistemas, de forma comprovada, com vários exemplos ao redor do mundo”. Após a polêmica, o Governo do Amazonas informou que a proposta de alteração de quatro artigos da Lei nº 4.330 deve ser encaminhada à Assembleia Legislativa até o final desta semana. Ou seja, hoje. Preventivamente, MPF/AM recomendou ao Instituto de Proteção Ambiental do Estado do Amazonas (Ipaam) que não licencie nenhum empreendimento de aquicultura em rios do Amazonas. Se a lei não for alterada, como promete fazer os deputados amazonenses, seu poder de destruição será incalculável.

 

 

 

Liana Melo

Formada em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Especializada em Economia e Meio Ambiente, trabalhou nos jornais “Folha de S.Paulo”, “O Globo”, “Jornal do Brasil”, “O Dia” e na revista “IstoÉ”. Ganhou o 5º Prêmio Imprensa Embratel com a série de reportagens “Máfia dos fiscais”, publicada pela “IstoÉ”. Tem MBA em Responsabilidade Social e Terceiro Setor pela Faculdade de Economia da UFRJ. Foi editora do “Blog Verde”, sobre notícias ambientais no jornal “O Globo”, e da revista “Amanhã”, no mesmo jornal – uma publicação semanal sobre sustentabilidade. Atualmente é repórter e editora do Projeto #Colabora.

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